Mostra-se cabível a afirmação de que a corrupção está presente nas entranhas da sociedade desde sua constituição como tal. Mais do que isso, crimes de ordem fiscal administrativa rondam o nascimento dos Estados, concomitantemente com a formação das nações. Trata-se, indubitavelmente, de uma doença de ordem genética que assola governos e administrações, impedindo o desenvolvimento de uma sociedade proba e saudável.

Compliance nasce, justamente, como um conjunto de normativas e comportamentos que visam mitigar e, quiçá, expurgar condutas antiéticas das organizações estatais e das empresas privadas[1]. Seu desenvolvimento deu-se, internacionalmente, com a implementação de uma responsabilização efetiva às entidades públicas e às empresas privadas, em casos de lavagem de dinheiro, corrupção, bem como outros crimes de natureza fiscal[2]. Em razão da amplitude desse fenômeno de integridade, passou-se a pensar em sua implementação nos partidos políticos, haja vista que são pessoas jurídicas de direito privado, dotadas de estrutura autônoma, destinatárias de verbas públicas, cuja finalidade está prevista em lei e necessita de efetivação no mundo concreto[3].

Por obra dos inúmeros casos de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo empresas multinacionais e governos de diversos países, a representação política encontra-se enfraquecida perante a sociedade. São fatos que refletem a falta de transparência, organização e integridade de partidos políticos pelo mundo, promovendo o enfraquecimento da própria democracia. À vista disso, enfrentamos uma nítida crise de representatividade, que, em nível global, demonstra o descrédito do povo em relação aos seus governantes. O fato é que, quanto menos força a democracia representativa importar, menos desenvolvimento e progresso a sociedade terá. Isso porque, a democracia, dentro de um Estado de Direito, constitui o instrumento de efetivação do desenvolvimento social, da propriedade, da segurança, da liberdade, da igualdade e da vida[4].

Na busca por novos contornos para a política, notadamente, nacional, o Compliance Eleitoral e Partidário demonstra-se como uma ferramenta potente de mitigação à corrupção e à lavagem de dinheiro. Isso porque, por meio do programa de integridade eleitoral e partidário há a promoção da aplicação, além dos pilares tradicionais do instituto, de medidas que garantem uma administração e um financeiro em conformidade com a legislação eleitoral e com o estatuto partidário, caracterizando-o como transparente e confiável, o que repercute positivamente no eleitorado, pois o Partido Político e seus respectivos candidatos não apenas serão íntegros, como comprovarão assim ser.

Importante diferenciar que, ao passo que o Compliance Eleitoral afeta a conformidade da campanha eleitoral, construindo um pleito de acordo com a legislação e o estatuto partidário, evidenciando uma postura transparente, confiável e ética do candidato, da assessoria de campanha e do Partido Político; o Compliance Partidário, por sua vez, reflete medidas de gestão na estrutura partidária, pela promoção de mecanismos de prevenção, controle, treinamento e responsabilização de infrações eleitorais, cíveis, administrativas e criminais, atingindo as relações intrapartidárias, para promover uma instituição capaz de efetivar a fiscalização e a utilização transparente, consciente e proba das verbas públicas, representando um suporte de conformidade institucional aos candidatos e filiados[5].

Impende referir que os políticos brasileiros já compreenderam a necessidade de implementação do Compliance no âmbito partidário e eleitoral, tanto que em 2017 propuseram o Projeto de Lei n. 429, em trâmite no Senado Federal. O mencionado projeto, de autoria do Senador Antonio Anastasia (PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira), pretende a alteração da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95) para fins de prever a implementação do Compliance mediante expressa disposição nos estatutos partidários, bem como avaliação de existência e efetividade de acordo com parâmetros legais e institucionais de fiscalização.

Exige-se o Compliance como mecanismo de autocontrole dos Partidos Políticos, atuando, notadamente, nas operações de fusão e incorporação das agremiações partidárias, contratação de terceiros, gastos de maior vulnerabilidade, recebimento de doações e ato de filiação. Salta aos olhos, como ponto mais expressivo do projeto legislativo, a disposição de suspensão do recebimento do Fundo Partidário para os casos de falta de efetividade ou inexistência do programa, por até doze meses, como também extensão da punição ao diretório nacional quando não demonstrar que, previamente, fiscalizou e puniu os diretórios estaduais e/ou municipais pelo descumprimento da implementação do programa.

A despeito disso, não há como se fazer cego às dificuldades e empecilhos políticos para implementação do programa, considerando inclusive o tempo de tramitação do projeto de lei acima referido, todavia, diante da relevante função dos partidos políticos, evidentemente abalada pelos escândalos envolvendo corrupção e lavagem de dinheiro nos últimos anos, o Compliance constitui promissor instrumento de relegitimação democrática partidária. Primeiro, por estampar programa que visa promover a conformidade legal, institucional, ética e proba; segundo, porque apresenta mecanismos capazes de expurgar ou minimizar condutas ilícitas, atestando a transparência e integridade das agremiações e das eleições.

Ante ao exposto, nota-se que a implementação do Compliance no âmbito eleitoral e partidário expurga ilícitos financeiros que enfraquecem nossa democracia, auxilia na organização íntegra da estrutura partidária e do plano de campanha e, o mais importante, assegura ao eleitorado a existência de um Partido Político probo, transparente e ético. Além disso, em tempos de crise, como a pandemia do COVID-19, o Compliance Eleitoral e Partidário funciona como um controle de condutas temerárias e um promotor de atividades em conformidade com a legislação, permitindo uma atuação política efetiva no plano jurídico e social, afastada de ilícitos eleitorais.

[1] SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, direito penal e lei anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 119-120.

[2] VERÍSSIMO, Carla. Compliance: incentivo a adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 92.

[3]   ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. ed. 5. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 81.

[4] MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. ed. 2. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 149.

[5] RIBEIRO JR., Antônio Joaquim. Direito Eleitoral E Compliance: A Adoção Do Programa De Conformidade Como Solução A Crise Dos Partidos Políticos No Brasil. Revista de Estudos Eleitorais, Recife, V.2, Número 3, p.1-103, jul.2018.

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